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Fonte: lmneuquen.com |
Hoje é um dia
histórico para o movimento das mulheres, que juntas contribuímos com a nossa
semente para a defesa do nosso direito de decidir sobre nossos corpos. Hoje
entrará em debate a descriminalização do aborto. Ontem, um jornalista me
perguntou: qual opinião das mulheres indígenas sobre essa questão? Fiquei
surpresa que alguém neste país se importe com pensa o setor das mulheres mais
empobrecidas, coagidas e violadas. Nós mulheres indígenas não somos hegemônicas
frente a muitas questões que nos afetam, entre elas: o aborto.
Então
compartilharei a minha opinião, como mulher indígena, mapuche, mãe de gêmeos,
mãe solo, mãe proletária. Nasci e cresci em uma sociedade sexista e racista.
Expressões como "A única coisa que as índias sabem é parir",
"Pra que se enchem de filhos, se não podem criá-los?”, "Índias são
como animais que abrem as pernas e não pensam" "são pobres porque têm
muitos filhos". Coincidentemente, muitas dessas expressões, também
atribuídas às mulheres pobres não indígenas, são ditas por homens e mulheres
que hoje se definem como PRÓ-VIDA. Esses
mesmos senhores e senhoras, que levantam o dedo para as mulheres que são a
favor da descriminalização do aborto e que defendem a defesa da vida como
princípio sagrado subjacente à sua posição. Esses mesmos senhores e senhoras
são aqueles que não se importam com a vida dos nossos povos e territórios, se
mostram apáticos contra a violência aos nossos corpos, aplaudem a forma com que
arrancam nossos filhos e filhas e matam-os pela fome, pelo gatilho fácil, o
racismo genocida, hoje são justamente os que clamam pela moral e nos falam do
direito à vida, os mentores da morte. A hipocrisia histórica da aristocracia
fascista.
Neste país, já vi meninas indígenas se prostituirem pelo pão, já ouvi
a dolorosa história de uma menina mapuche estuprada pelo seu tio, que ficou
grávida e foi forçada a dar à luz com apenas 11 anos, após o nascimento ela
matou seu filho afogado, porque ele representava somente a dor, a injustiça e a
raiva. Por tanta impotência, essa menina foi condenada pelo aparato legal que
desprezou os seus direitos, mas que pretendia que ela assumisse "suas
obrigações maternas", logo o Estado que não assumiu suas obrigações, para
garantir uma vida plena àquela garota que nunca deveria ter sido mãe. O jornalista
me pediu números, estatísticas que validem nossa denúncia sobre os assustadores
feminicídios indígenas que vêm acontecendo. Não existem estatísticas oficiais,
não existem estatísticas institucionais de ONGs, essas estatísticas não
existem, porque para o Estado e governo nós nunca fomos lembradas, não há
estatísticas porque a vida indígena é desvalorizada. Não houve marchas por
nossas mortas, nem sequer conseguiram alcançar a dolorosa reivindicação de seus
entes queridos às instâncias judiciais. Nossas mortas em sua maioria sequer
falam espanhol, muitas delas estão em zonas rurais. Morremos por repressão,
morremos presas injustamente, morremos nas mãos de pistoleiros contratados
pelas multinacionais e por latifundiários, morremos em abortos ilegais, sim, é
um punhal que atravessa a todas, destroçando a alma coletiva das mulheres do
mundo.
No entanto, devo confessar que temo a "legalidade" desse
estado e desse sistema, tudo o que é legal se torna uma maneira aprovada e
controlada de fazer bons negócios para a Corporocracia. Eu escolho a
descriminalização, mas precisarei de um tempo para pensar na legalização. Como
mulher mapuche, povo que sobrevive, apesar de tudo, à tentativa de extermínio
dos estados, eu escolho a maternidade, mas a quero viver plenamente, e para
isso cobro apenas três direitos e nada mais: Autonomia sobre meu corpo, a
demarcação dos territórios, autonomia do meu povo.
Esses três direitos
em conjunto nos garantirão educação integral para decidir, contraceptivos para
não abortar e aborto descriminalizado para não morrer. Podemos recuperar o uso
de métodos naturais ancestrais para evitar a invasão e a contaminação dos
nossos corpos pelas substâncias químicas, como o uso do Misoprostol, e muitos
outros artifícios que a indústria química e farmacêutica quer impor com sua
"legalidade" para fortalecer ainda mais o capitalismo voraz. Esse é o
primeiro passo para a descriminalização, vamos construir juntas um espaço para
o debate sobre como imaginamos ou propomos a legalização. Irmãs das 36 nações
indígenas da Argentina, somemos nossa voz, compartilhemos nossos conhecimentos,
abramos o debate, mas não silenciemos ou neguemos a realidade de morte
existente em cada comunidade pelos abortos clandestinos, que arrancam as vidas
das nossas milhares de jovens. Saúdo e abraço a todas as mulheres que fizeram
com que este movimento instituinte chegasse como um grito estrondoso ao
congresso. Da cordilheira do sul pela livre autonomia dos corpos, territórios e
dos povos!
Marici weu!
Moira Millán,
weychafe mapuche , puelmapu.
13 de junho de
2018.
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